terça-feira, 4 de setembro de 2012

Cerzir a pedra



trabalho fundo
o ponto secreto da trama
rede para deitar a morte
nos cotovelos, os dois
apontados leste-oeste o sol no peito
corpo aberto para o espanto

saliva na boca

sal que desce o ventre
para curar o sorriso no cálcio
brancas filigranas velando a delicadeza
músculos sem ossos que os carreguem

o adeus na boca orvalhada

a comida azeda posta à mesa no último domingo
o outono colhido nas flores
debaixo das sombras dos ponteiros
que batem demasiado na cabeça
no aceno de quem parte

uma rede sem pedras
tramada no peito
cicatrizes que a fazem linho
para a mortalha de um corpo
adiado no abraço cantante
da noite que se cala

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Outono morto


cantasse o pássaro à boca do outono
e o húmus anunciado a morte nos ossos
toda voz teria morada em si um suicídio

uma morte é lentamente nos cantos
onde as axilas são côncavos de uma língua
morta na garganta de uma musa crespa
existida fora da pele que avança dedos
espetados em lágrimas cor de amianto
cujo rosto se enfesta de cansaço e tédio
esfarrapado na neblina agora quase

o bico do outono era neblina nos cantos
rangidos de folhas abertas ao fosso
mamilos de cem línguas apodrecidas
ao relento ontem quando

três bolivianas teciam moiras disfarçadas
em galpões de Lao-Tsé e os rostos todos
felizes enquanto tudo era já festejado
fora das moedas de celofane

a velha rancheira cantava grave com tabaco
podre na garganta un dolor picante
debaixo das línguas pervertidas

a língua guardava teias orvalhadas
amanhecidas de bolor na boca
cujos lábios desenhavam um Ó inaugural
abençoando as nuvens roxas de cianureto

o rosto que guardava a boca era húmus seco
e havia morrido cem anos antes
de que se pudesse apodrecer sequer já

debaixo de um velho caroço o outono
mora em fumaças perplexas de horas
onde todo sal se consome em fígado e prata
onde todos os azuis são amores recusados de Dafne
a um deus manco e cagado de rumores de ossos
quando a dança é tronco e feridas lá onde

a voz do outono é tabaco grave
toda vida azul cerzida por três bolivianas moiras
tecendo ossos
bocas mofadas de tédio guardadas no rosto de uma ferida
aberta para o fosso e para os destinos
de onde quem lá quase
pudera.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Os anos

quando os anos dançavam em meus dedos,
eu era triste e sorria.
a mãe carregava coroa de pétalas na cintura,
dançando o sol ensandecido.

era a mãe na mão do filho.

quando a mãe brincou o sol no ânus,
era tempo de descoberta.
o filho dançava coroa triste nas pétalas,
fazendo orvalhos.

era a mãe estancada na pupila do filho.

o filho carregava sorriso nos dedos;
a mãe, o sol no filho.
dançavam coroas ensandecidas
de orvalhos na cintura.

eram pétalas entre filho e mãe.

quando eram filho e mãe, os anos
orvalhavam a cintura triste.
as pétalas ensandecidas de orvalho
conjugava pétala e tempo.

os anos estancaram mãe e filho;
o tempo ensandeceu dedo e ânus.
as pétalas dançavam o triste sorriso do orvalho.
a mão brincou na mãe do filho.

o sol coroou descoberta.

pétala. orvalho. filho. mãe : conjugados na mão ensandecida.

quando sol ensandeceu os anos,
(eu era tempo e os anos)

a mãe.
o filho.